quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Aprendendo

Momentos antes da primeira investida séria: derrota antecipada


Mas afinal, o que deu errado?

Buenas, penso que precisamos analisar a fundo o que deu errado para que possamos fazer tudo certo da próxima vez. Afinal, não dá pra investir novamente todo o tempo e dinheiro que investimos em 2006 para fracassar novamente.

Convido os amigos que dividiram essa experiência comigo, Castedo, Tadeu, Rafa, Rosiane, Tanos, Eloy, Magda e Davi, a também escreverem as suas impressões. Por favor me corrijam naquilo que for necessário.

Well, well... na verdade é preciso tomar muito cuidado com essas declarações "não dá", "vamos fazer assim", "vai ser assado". Lembro perfeitamente de ter ficado observando atentamente um dos integrantes do grupo da Ada, uma simpática uruguaia que conhecemos em Confluência, pensando "Como é possível?", quando ele disse estar tentando chegar ao cume pela SÉTIMA vez. Não ri e nem fiz pouco caso. A sensação que tive no momento foi de que a coisa era mais complexa do que pensávamos. Foi a primeira vez que pensei seriamente que o fracasso era uma possibilidade real.

A equipe não conhecia nada de alta montanha, é verdade, mas também não éramos novatos na organização de complexas expedições. Também não desconhecíamos o que é passar perrengue - frio, falta de banho, peso nas costas. Responsabilidade sempre foi nossa marca registrada e a dispensa de um guia não gerou qualquer insegurança, pois estávamos muito bem informados e equipados. O habitual detalhamento minucioso do planejamento foi repetido mais uma vez. Na verdade, cometemos até alguns excessos no planejamento. Estudamos tantas fotos e relatos e conversamos com tantas pessoas, seja pessoalmente ou por e-mail, que os lugares eram reconhecidos pelos nomes corretos rapidamente. Os tempos de marcha e os desníveis eram todos sabidos na ponta da língua.

Poucas coisas nos surpreenderam durante a expedição. O tamanho do caminho de Plaza de Mulas ate Nido de Condores me assustou. Plaza Canadá sequer era considerada em nossas tentativas de definição de uma estratégia de aclimatação. Parecia fácil ir direto a Nido. Chegando em Mulas olhei para a encosta que leva a Nido e vi que as pessoas pareciam formigas. As tais Pedras Conway, carinhosamente apelidadas de "Mijones", pq todo mundo para por ali pra se aliviar, parecem pequenas quando vistas de Mulas. Ao me aproximar delas percebi que equivalem a prédios de 2 ou 3 andares. Em contrapartida, o caminho de Berlin ao cume, quando visto de Mulas, parece muito pequeno. Um dia conseguimos enxergar uma expedição passando próxima ao El Dedo, uma pedra característica na Travessia do Gran Acarreo e pareceu incrivelmente fácil ir de Berlin ao cume. Outras duas surpresas foram de cunho puramente prático, que o Rafa aprendeu com o Juan: começar a derreter neve com água na panela e deixar a bota interna passar a noite dentro do saco de dormir. Se derreter neve direto na panela a água vai ficar com gosto de neve queimada. Se a bota interna passar a noite fora do saco, vai ser difícil esquentar os pés pela manhã. Sem falar no desconforto para calçar a tal bota interna se ela estiver super gelada.

A ausência de um guia, como disse, não nos fez correr riscos. Porém, a presença ou talvez a consulta mais aprofundada a um guia talvez nos levasse a ter mais eficiência em nosso modus operandi. O caminho para se chegar ao cume do Aconcágua não é difícil. E também não tem nada de técnico. As conversas com quem já foi e as centenas de fotografias que consultamos nos preparam bem para enfrentar o caminho. Era gostoso reconhecer cada local pelo nome.

Em várias páginas da Web é dito claramente que o guia ali é dispensável. Só que talvez seja altamente recomendável conversar - muito - com um guia experiente. Nós chegamos na montanha sem ter uma estratégia definida e até achávamos que era assim mesmo, já que é grande a possibilidade de ocorrer imprevistos. Na verdade, hoje, olhando para trás, sinto que não é exatamente assim. As pessoas experientes (Ariel, um argentino super simpático com 3 cumes) ou os integrantes de expedições guiadas por guias top, como o Daniel Pizarro (30 cumes), tinham uma estratégia plenamente definida. O cronograma talvez não possa ser amarrado com antecedência, uma vez que o clima e a aclimatação são imprevisíveis com muita antecedência. A estratégia - caminhada de aclimatação para tal lugar, porteio para Canadá, um dia de descanso não sei onde, chegada em Berlin no final da tarde, etc - pode e deve ser definida. A falta dela colabora, no meu modo de ver, para o que os milicos chamam de "fog of war". É uma espécie de "névoa"psicológica, criada e alimentada pelas pequenas incertezas, que pode causar baixas.

Os integrantes da equipe do Pizarro não pareciam, em absoluto, preocupados com a seqüência de atividades que eles executariam. Isso era assumido como resolvido (pelo Pizarro, claro) e ponto final. Nós, ao contrário, dicutimos o tempo todo quais os passos a serem dados e em que seqüência. A conseqüência foi que alguns erros foram cometidos e foram cobrados à vista com desgaste físico e aumento do fog. Um desses erros foi que não considerávamos Plaza Canadá como um acampamento. Na verdade, sequer considerávamos passar em Canadá. Iríamos direto para Nido, já que Canadá fica fora do caminho. Acaba que numa caminhada despretensiosa para Canadá, feita apenas com o objetivo (não planejado) inicial de ser um passeio, revelou-se como um objetivo suficiente para um dia normal. Na verdade, o "passeio" foi desgastante e exigiu um dia de descanso em seguida. Ainda, como era passeio, não fizemos porteio de material. E ficou claro que fazer um porteio diretamente para Nido estava além das possibilidades do grupo naquele momento. Acabou sendo necessário fazer um porteio para Canadá, o que fez o Rafael, que foi quem chegou mais longe, fosse a Canadá 3 vezes. Ponto para o fog.

Tivemos a felicidade de ter ao nosso dispor um excelente guia para ser consultado, o ST Côrtes, porém, infelizmente, nunca discutimos com ele uma estratégia a ser seguida. Nem sequer discutimos a meta-estratégia, ou seja, se seria necessário uma estratégia. Se trouxéssemos esse assunto à tona, ele certamente nos orientaria com muita precisão, como o fez com todos os assuntos que foram discutidos.

Bem, faço questão de destacar que estou escrevendo a minha opinião, obviamente fundamentada nas minhas condições físicas, de aclimatação e psicológicas nos momentos em questão. É provável que o Rafa e o Tadeu, se estivessem sozinhos, conseguissem ir direto à Nido sem problema algum. Eles fizeram Mulas - Candá em 2h 10m, enquanto eu fiz em quase 4 horas.

O último assunto do parágrafo anterior trás outro tópico à tona: o grupo e a equipe. Na verdade, desde a partida de Horcones, nunca fomos uma equipe como o fomos em todas as outras expedições. Essa minha observação não se trata de reclamação, pois eu mesmo não vi problema quando essa característica do grupo se revelou. Cada um seguia o seu próprio ritmo. A mim mesmo pareceu, durante toda a expedição, que não podia ser diferente, tanto que nunca propus nada em contrário. Hoje, porém, olhando para trás e, principalmente, comparando com tudo que já fizemos, me parece que o trabalho em equipe é melhor para o meu desempenho. Eu sou uma pessoa que gosta do trabalho em equipe. Lembro novamente que estou falando apenas por mim e que isso não representa crítica a ninguém. Lembro também que quando decidi desistir de continuar tentando o cume, o pensamento decisivo foi "eu não vou aguentar encarar isso sozinho". Na verdade, eu não estava bem aclimatado - essa história vem daqui a pouco - e isso, associado à possibilidade de enfrentar o que vinha pela frente sozinho, me assustou bastante. Algo que me ajuda a concluir isso (que o trabalho em grupo é importante para mim) de forma convicta é que, caso o Castedo não tivesse me esperado e dado força de forma insistente e altamente paciente, eu não teria chegado sequer até Plaza Canadá. Num trecho que a trilha ficava íngreme, ainda nos primeiros metros de subida, e o ar me faltava horrivelmente, se não fosse o Jorge Castedo me esperando e me acalmando, eu teria voltado dali mesmo.

A equipe do Pizarro, em contrapartida, parecia que até pra fazer xixi, fazia junto... hehehe...

A conclusão que tiro disso é que preciso melhorar a minha capacidade de fazer essas coisas sozinho. Tenho convicção de que é melhor em equipe, mas não posso depender tanto de um grupo.

Ainda sobre esse assunto, me atrevo a especular que se não tivéssemos deixado o Rafa sozinho, a expedição teria alcançado o cume. Convido os amigos a se manifestarem.

Cometi um erro básico mais uma vez: excesso de peso. Não consegui combinar com exatidão como o nosso material que seria despachado pelas mulas de Penitentes até Plaza de Mulas seria recebido no Hotel Refúgio. A previsão era que o material chegasse ao meio dia do dia que estaríamos indo de Confluência para Mulas. Certamente chegaríamos no final da tarde. O medo de que o material ficasse jogado sem dono me fez acertar, inicialmente, que o mesmo fosse transportado um dia mais tarde. Isso nos obrigaria a levar comida para mais um dia e agasalhos e barraca para passarmos uma noite em Plaza de Mulas sem nosso equipo. Acabou que em Penitentes conseguimos confirmar que o equipo seria entregue a uma pessoa do Refúgio que assumiria a responsabilidade de mantê-lo seguro até a nossa chegada. Ainda assim, eu temia ser necessário passar uma noite entre Confluência e Plaza de Mulas. A confusão e a desinformação, já que não se dorme nessa marcha para Mulas, acabou nos fazendo sair de Horcones com um peso pra lá de grande nas costas. Num local onde recompor o desgaste é difícil, podemos dizer que já começamos com o pé esquerdo. De fato, no final da marcha para Confluência, situada a meras 3 horas de Horcones, eu já me arrastava e puxava o ar com força. Dias mais tarde faríamos um despacho extra de equipamentos e comida para Plaza de Mulas via cavalaria da Inka Expedições. Para meu espanto, somente eu, Rosiane, Tadeu e Rafa (que mandou bem menos coisas do que nós) conseguimos despachar SETENTA kg. Esses 70 kg subiram nas nossas costas de Horcones para Confluência, é claro.

Buenas, mas meus problemas não foram apenas esses. Surpreendentemente, já em Confluência, mesmo sem estar fazendo esforço, eu sentia falta de ar. Digo "surpreendentemente" porque em 2005 estivemos nesse mesmo acampamento, fizemos parte da caminhada até Plaza Francia, e eu nada senti. Dormi muito bem. Já esse ano, foi bem diferente. Na primeira noite dormi mal, mas dormi. Na segunda, cheguei tão mal da caminhada à Plaza Francia, que não dormi exatamente, desmontei. Na terceira, que era a véspera da ida para Plaza de Mulas, não preguei o olho a noite inteirinha. A minha respiração natural, sem fazer esofrço adicional, não era suficiente. Depois de umas 4 ou 5 respiradas eu precisava puxar o ar com força umas 2 ou 3 vezes. E assim não conseguia dormir. Durante a caminhada para a Plaza Francia - na verdade fomos até o Mirador da parede sul apenas, ainda faltava mais de uma hora para chegar - o ar faltava cada vez mais. Ainda, um embrulho violento nos intestinos foi se armando durante a ida. Eu sentia algo se mexer e ouvia barulhos! Cheguei a pensar que era um Alien, o décimo passageiro (éramos 9 no grupo). No final da trilha e ao longo dos próximos 3 dias, uma belíssima diarréia se manifestou. Mas daquelas "bunitas", do tipo chicotada. Putz... só entre nós... depois de três dias de diarréia e sem banho, a moral fica um pouco abalada. Só pode ter sido por causa da água de Confluência, que tem magnésio. Outras pessoas também foram atacadas por esse mal.

A minha aclimatação não parecia ir mal. O primeiro checkup que fiz com o médico, no dia 2 da expedição, indicou 88% de saturação de oxigênio quando o recomendável para aquela altitude (3.300 m) era 85%. A pulsação era 69, número que eu questiono, mas foi o que apareceu no painelzinho do oxímetro. Isso me dizia que tudo ia bem.

Porém, algo já se revelava claramente: eu não bebia o líquido que tinha que beber. Em nenhum dia bebi mais do que 3 litros. Simplesmente não conseguia. O indicado é 4 a 5 litros por dia. Creio que a conseqüência real disso só se revelaria plenamente 3 dias mais tarde.

Cheguei então na manhã do dia 4, o dia da ida para Plaza de Mulas, com duas noites de sono marrom e uma (a terceira) em claro. Vinha a marcha de 33 km para vencermos 1.000 metros de desnível. O meu passo nunca foi o que eu esperava que fosse. A frustração aumentava a cada hora, afinal, eu estava com excelente preparo físico para a minha idade. Vinha de um semestre com musculação específica para o que enfrentaria na montanha (se bem que meio inconstante) e boas corridas (essas, constantes). Cheguei a fazer 10 km em 51 minutos e corria 1 hora por dia tranquilamente. Ainda por cima, estava com diarréia. Esse probleminha, na Playa Ancha, em especial, é mais sério do que em outros lugares. A Playa Ancha é um lugar com km e mais km de vazio, sem um lugarzinho pra se esconder. A única forma de se obter privacidade para cuidar das chicotadas era escolher um momento no ual se estava longe das pessoas que iam e vinham. Elas me viam, sem dúvida, mas eu estava longe demais para olhá-las nos olhos (e vice-e-versa)... hehehe.. É uma situação digamos, desconfortável.

Ainda bem que era rápido... hahahaha... Ops, esqueci de explicar que noite marrom é uma noite marromenos.

Ponto para o fog. Ponto para o psicológico.

Aos tapas, porém feliz, cheguei na Plaza de Mulas com 10 horas de marcha. Os demais chegaram com pouco mais de 8 horas. Tanos acompanhou meu ritmo nas horas finais e a sua presença ajudou bastante. Falamos um bocado de besteiras e demos um bocado de risadas. Mas ainda faltavam 40 minutos até o Hotel Refúgio Plaza de Mulas. Esse trecho foi terrível. Levei mais de uma hora e meia e na parte final, que é uma subida, não andava 20 passadas sem parar um bom tempo. O ar simplesmente faltava. Bomba relógio: bebi uns 400 ml no café da manhã e menos de 2 litros durante todo o dia. Era pouco, muito pouco.

A primeira noite em Mulas seria no hotel. Custava 19 dólares, mas chegamos quase à noite e eu não podia sequer pensar em ter que montar barraca. Aliás, acho que todos estavam meio aos tapas nesse dia, pq todos foram para o hotel. No tempinho entre a chegada e a ida para a cama eu já me preocupava se dormiria ou não. Estávamos a 4.300 metros e o ar certamente era bem mais rarefeito do que em Confluência. Se eu já não havia conseguido dormir em Confluência ....

Não deu outra: passei a noite inteira acordado. E ainda tive que pagar... hehehe...

Outro perrenguinho se apresentou em Plaza de Mulas: a obstrução do nariz. A umidade do ar por ali é incrivelmente baixa. A pressão, idem. Meu nariz acabou sangrando durante as noites. Esse sangue rapidamente se transformava em naves espaciais klingon por dentro do meu nariz. Obviamente, a respiração era obstruída e tinha que ser feita pela boca. Isso resolve por pouco tempo. Na terceira noite já não se aguenta mais respirar pela boca. A melhor solução era ir na pia do hotel e fazer uma faxina completa no nariz, mas isso nem sempre era possível, pois quando a água quente não podia ser usada, a água que sobrava era gelada pra caramba e de qualidade muito questionável. Até pinguei remédio que o Rafa tinha, mas esse não resolvia por completo. Ponto pro psicológico.

O dia 5 foi divertido, pois muitas novidades se revelavam a cada hora. O Aconcágua, claro, era a vedete dessas novidades. A sua proximidade e grandiosidade eram de tirar o fôlego. Foi nesse dia que o tamanho do caminho de Mulas até Nido me impressionou. As pessoas pareciam, literalmente, formigas. Organizamos nosso material na cozinha zaralhada do Refúgio, montamos as barracas e jogamos conversa fora o dia todo. Até a arrumação de material em mulas foi atração. Um muleiro fez valer de fato aquela máxima que é atribuída a um colega de AMAN... "vc pode ser mais inteligente do que eu, mas não é mais forte". Ele simplesmente sentou a porrada na mula até ela fazer o que ele queria!

Beber 5 litros de água? Nem pensar. Ingerir 7.000 calorias? Hahahahahaha.... só rindo. Quando passo um dia sem fazer nada, é certo que me dê um sono terrível no final da manhã e no final da tarde. Lá em cima isso não acontecia. Primeiro que tinha muita novidade no pedaço. Segundo que eu temia a falta de ar. Mesmo ocupado, eu não deixava de fazer força para respirar. Discutimos a nossa estratégia - só para as próximas 24 horas - e concluímos que faríamos um passeio até Plaza Canadá no dia seguinte. Iríamos leves, só para aclimatar.

O dia 6 era então o dia do início da luta ou da partida de xadrex com a alta montanha. Dormi razoavelmente, conseguindo de fato pregar o olho. Mas precisei acordar para fazer xixi umas 4 ou 5 vezes. E não tinha tomado os litros e mais litros que deveria ter tomado! O frio colaborava com o desconforto: -5 C dentro da barraca. Passei a usar a garrafinha do Rafa pra fazer xixi dentro da barraca, algo que eu havia menosprezado solenemente nos preparativos... "garrafinha é o kct... não vejo razão para não sair da barraca" era o meu discurso. Não via porque estava no Rio de Janeiro, a 0.000 metros de altitude...

E chegou então a hora da verdade. Aliás, meu estado nesse exato momento está registrado na foto desse post. E a imagem diz quase tudo.. hehehe... Rafa foi o fotógrafo. Perto do meio dia comecei a andar em direção à Plaza de Mulas. Já fiquei sem fôlego e sem moral nessa caminhadinha de 40 minutos. Pra piorar o psicológico, convenci o Jorge Castedo, que já me acompanhava pacientemente, apesar de ter plenas condições de prosseguir com um ritmo bem superior, a irmos fazer o checkup médico que é exigido antes de irmos para a parte alta da montanha. A médica mediu 75% de saturação de oxigênio em nós dois, quando o mínimo exigido para aquela altitude era de 80%. Ela perguntou quanto de líquido eu estava bebendo por dia e ao ouvir o meu humilde "uns três litros" em resposta me deu uma bela bronca. Disse que com 75% eu não precisava descer, mas que não era recomendável subir. Balbuciei qualquer coisa a respeito de dar apenas "uma volta", sem fazer esforço, voltando quando me sentisse cansado, e ela concordou, mas com uma postura "lavo minhas mãos". Bem que o Castedo disse que era furada ir no médico....

Nesse momento a minha vontade de ir ao cume foi dobrada. Nas próximas 4 horas essa vontade foi desdobrada e dobrada várias vezes, até que se partiu. A subida para Canadá foi simplesmente um martírio. Não temo estar dramatizando porque havia testemunha. Castedo esteve do meu lado o tempo todo e não devia estar me reconhecendo. Convido o amigo a relatar com suas palavras como foi essa subida... Já na primeira escorregada, logo no começo, bem antes do Semáforo, parei e não conseguia sair do lugar. Castedo me convenceu a continuar.

Continuei, mas nessa subida todo o esforço nos preparativos e toda a determinação que restava foram esquecidos. Concluí que daquele jeito, não dava. A vontade de dizer "caráio, se eu chorar os zóio congela" na chegada ao cume, passou. A vontade de tirar as fotos com os cartazes gaiatos que preparamos com carinho, também passou. Não havia medo de cair, nem de congelar alguma coisa ou de errar o caminho na volta, ainda que estivesse sozinho. Simplesmente faltava fôlego. Apesar de tantas vezes ter imaginado essa situação (na verdade não tão crítica) de falta de aclimatação e decidido que desceria e esperaria para tentar de novo, eu desisti.

PQP, eu desisti antes de chegar em Plaza Canadá! Emperrei como uma mula teimosa: pra mim acabou. Só comuniquei os amigos de fato no dia seguinte. Até falei com ar de dúvida, mas na verdade a decisão foi tomada nesse dia do "passeio" a Canadá, para ser exato, no dia 6 da expedição. Ridículo...

Bem, mais um perrenguinho foi descoberto nesse dia: a minha bota dupla estava apertada. Os dedões chegaram ralados no final do dia e definitivamente só seria possível usar duas meias com aquelas botas. Confesso ter pensado um bocado nisso, mas já com ar de "será?", pq a decisão de não ir já estava tomada.

E foi assim. Atribuo a derrota ao psicológico. Fatores físicos colaboraram, sem dúvida, mas foi o psicológico quem decidiu. No dia seguinte, de descanso, minha pulsação estava em 74 - excelente para 4.300 metros de altitude - e o nível de saturação chegou aos esperados 80%. Mesmo bebendo e comendo pouco, os números estavam bons. Se eu descansasse, bebesse e comesse, talvez voltasse ao meu estado físico esperado para aquela altitude.

Por fim, mas não menos importante, as botas plásticas duplas que o Guilherme me emprestou pareciam perfeitas mas, na verdade, me apertavam nos dedões. Só era possível usar duas meias com elas e não pude avaliar se isso seria suficiente na parte alta da montanha, já que parei nos 5.000 metros. Mas tenho quase certeza de que isso seria problemático (o aperto e a falta de meias).

Faltou dizer, mas é rápido, que tive dor de cabeça praticamente todos os dias, sendo que em alguns deles doeu direto, 24 horas.

Buenas, o título do post é "Aprendendo", assim, vou resumir o que acho que aprendi.

1. minimizar os perrenguinhos. Um brasileiro que conhecemos em Mendoza deu uma excelente idéia: aclimatar em Vallecitos. São montanhas mais fáceis de serem subidas. A aclimatação obtida ali permite que passemos batidos por Confluência, para fugir do magnésio. Deve ser ótimo andar 33 km e atravessar a Playa Ancha sem estar com diarréia! Além de escapar de Confluência, os dias seguidos de perrengue são diminuídos, pois podemos passar um ou dois dias em Mendoza entre Vallecitos e Aconcágua.

2. ir com um grupo menor, mais homogêneo e que forme uma equipe.

3. estar preparado psicologicamente para seguir em frente sozinho.

4. tomar os malditos 5 litros por dia.

5. comer mais.

6. reduzir o peso das costas.

7. seguir o esquema "porteio, descanso, mudança", com um dia para cada atividade.

8. seguir o roteiro Mulas, Canadá, Nido e Berlin no esquema acima. Se o tempo ficar ruim ou a aclimatação pegar, ficar parado.

9. arranjar um jeito do nariz deixar de boiolice e não sangrar e nem entupir. Roto Rooter portátil?

10. arranjar uma bota maior.

Nossa, como falar é fácil!

Valeu.