domingo, novembro 27, 2005

Inimigos

Vamos listar os "inimigos" de uma subida ao Aconcágua pela rota Normal e combatê-los um a um..:))).

No meu ver, a estratégia principal deve ser baseada na "FOLGA", ou seja, devemos estar com folga em todos os aspectos da preparação e em todas as etapas da subida. Desde a forma física à comida, passando pela aclimatação e pelo equipamento, entre outros. Vamos listar então, sem uma ordem específica, os "inimigos" e reunir idéias de como combatê-los.


Why shit happens?

1. Falta de experiência em alta montanha

Tem que haver uma primeira vez. Muitos dizem que trata-se do trekking mais alto do mundo. Porém, muitos morrem infantilmente. Temos que absorver todo o tipo de informação útil de quem tem experiência e ler o máximo possível. Na verdade, Jorge Castedo já esteve nas encostas do Aconcágua.

2. Não contar com guia

A rota Normal pode ser feita sem a presença de um guia. Dois receptores de GPS com os prinipais pontos da rota locados, bem como croquis detalhados e informações obtidas previamente e no local amparam essa opção. O conhecimento dos erros mais comuns, principalmente na descida, ajuda. Reconhecimentos da trilha ajudam também. Trocar idéias com as demais expedições é imprescindível. Uma boa coleção de fotos de todas as partes da rota está sendo obtida.

3. Frio intenso

Guilerme Rocha fez o Aconcágua no inverno, pela rota Normal, e enfrentou temperaturas de até 35 graus negativos. Devemos estar preparados então para 40 graus negativos. Não deve haver improvisação no equipamento contra frio. Deve haver folga.

A tabela abaixo permite o cálculo da sensação térmica a partir da temperatura e da velocidade do vento. Atenção na hora de abrir a garrafa térmica!!



Moral da história: abaixo de -30 as partes expostas se congelam em 1 minuto. Se fizer -15 C e o vento for de 15 km/h, algo banal pelo que já li sobre o Aconcágua, a sensação térmica já chega a -32 C. Luvas sempre à mão!

Pode fazer -18 C em Plaza de Mulas como também pode se chegar ao cume com apenas uma camiseta e um anorak leve. Estar preparado para tudo é uma boa opção!

O Manual Merck tem boas informações sobre doenças relacionadas ao frio intenso.

4. Desgaste físico no ataque ao cume

A alimentação, principalmente a ingestão de líquidos - de 4 a 5 litros - no dia do ataque ao cume é essencial. O cansaço, a roupa incômoda e o frio estimularão a preguiça de fazer coisas diferentes de colocar um pé à frente do outro nesse dia. Assim, creio ser necessário sair o mais cedo possível e de mais perto possível do cume. Quem sabe de Independência em vez de Berlin? O ataque a partir de Nido, no meu entender, pode gerar um desgaste excessivo nesse dia crítico e, consequentemente, deixar pouca "folga" em alimentação, disposição, aclimatação e tempo antes do anoitecer, caso o clima mude.

5. Falta de aclimatação

Tem gente que aclimata bem e tem gente que não. Tem gente que sempre aclimata bem e que em certa expedição não aclimata de jeito nenhum. Há um conhecido esquema de avaliação da aclimatação, baseado em pontos para dor de cabeça, insônia, náuseas, vertigem, vômitos, falta de ar e diminuição da diurese. Esse esquema será seguido à risca. A tática "subir devagar e descansar, com breves reconhecimentos" vai ser adotada. O cornograma e a comida serão definidos de forma que tenhamos o máximo de dias disponiveis na montanha, para que seja possível uma boa aclimatação e, principalmente, a ausência de pressa.

6. Falta de humildade

Há limites de tempo bem definidos para cada setor e para cada jornada de marcha na rota Normal. Esses limites têm que ser religiosamente respeitados:

  • Horcones - Confluencia: 3 h
  • Confluencia - Plaza de Mulas: 7 h
  • Plaza de Mulas - Plaza Canada: 4 h
  • Plaza Canada - Nido de Condores: 3 h
  • Nido de Condores - Berlin: 2 h
  • Berlin - Piedras Blancas: 1 h
  • Piedras Blancas - Independencia: 2,5 h
  • Independencia - El Dedo: 1 h
  • El Dedo - Início da Canaleta: 1 h
  • Início ao final da Canaleta (Filo del Guanaco): 1 h
  • Filo del Guanaco ao Cume: 0,5 h
  • No cume: o sufuciente pra chegar de dia em Berlin, com folga
  • Cume - Berlin: 3 h
  • Berlin - Nido: 1,5 h
  • Nido - Canada: 1,5 h
  • Canada - Plaza de Mulas: 1,5 h

Não devemos andar até faltar menos de 2 ou 3 horas para o anoitecer, ou seja, andemos até as 18 horas.

Os guardaparques dispõem de informações sobre o tempo.

7. Preguiça

Há ocasiões nas quais o cansaço embota a mente - embota é ótimo, não? - e as pessoas acabam deixando de realizar tarefas que se são críticas quanto à segurança e/ou passam a ser mais um elo naquela corrente de pequenas coisas aparentemente independentes e individualmente insignificantes que levam a uma tragédia. Já li mais de uma vez que tem gente que deixa de instalar os crampons ou deixa de tirar um casaco da mochila por pura preguiça e passa a correr um puta risco. Nada de preguiça. Ainda, a FOLGA de tempo é necessária para que a falta de tempo deixe se transformar em argumento.

8. Desatenção

Um pé torccido na Canaleta ou na Travessia pode ser transformar num gigantesco problema. A folga de tempo, o nível de aclimatação e a partida de um acampamento mais próximo ao cume no dia do ataque final (que gera menor desgaste) têm influência direta na capacidade de manter a atenção. Já li que tem gente que fica grogue e, consequentemente, desatento. Uma queda com crampons nos pés pode gerar um monte de furos nas pernas.